Muito além do treino: o papel da Psicologia do Esporte para atletas de alto rendimento | EEFFTO - UFMG  


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Muito além do treino: o papel da Psicologia do Esporte para atletas de alto rendimento

12/08/2016 | 06:03

Participar de grandes competições esportivas, como uma Olimpíada, é um desafio na carreira de qualquer atleta. Além da preparação e aprimoramento de domínios técnicos, táticos e físicos, um quarto pilar é fundamental na composição de todo esportista de alto rendimento: o mental. Para isso, surge a Psicologia do Esporte, importante área das Ciências do Esporte.

O professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO), da UFMG, e coordenador do Laboratório de Psicologia do Esporte (LAPES) da Universidade, Varley Teoldo da Costa, apontou para a importância de uma sistematização do treinamento psicológico de atletas olímpicos.

 

Varley Teoldo ministrou a palestra “Neuropsicologia aplicada ao Futebol” no
IX Congresso Internacional e XVI Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte

 

O atleta não pode começar a se preparar mentalmente para a Olimpíada somente no ano dela. A preparação psicológica para os Jogos Olímpicos de Tóquio, por exemplo, começa agora. Quando o atleta tem condições de fazer uma periodização para a preparação psicológica plurianual, ele tem uma maior probabilidade de chegar no Japão e não sentir coisas que sentiu no Rio”, disse o professor, lembrando que a Olimpíada de 2020 será na cidade de Tóquio.

 

À esquerda, momento em que a judoca brasileira Rafaela Silva é consolada por sua técnica Rosicleia Campos, após eliminação na Olimpíada de Londres; à direita, a atleta exibe a medalha de ouro conquistada na Rio 2016, quatro anos depois (Fotos: Getty Images/Johannes Eisele e Getty Images/Danilo Ramos, respectivamente)

 

O professor de Psicologia do Esporte da EEFFTO e psicólogo da seleção brasileira paralímpica de rugbi, Franco Noce, apontou para um necessário vínculo com o atleta por parte do profissional no decorrer de todo a preparação dele.

"Existe uma periodização do trabalho do psicólogo do esporte, que deve ser inserido durante toda uma temporada e não apenas antes da competição ou quando o atleta não está bem. O trabalho tem que ser desenvolvido assim para o correto aperfeiçoamento dessas habilidades psíquicas", analisou Franco.

 

Franco Noce foi o organizador do IX Congresso Internacional e XVI Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte

 

Preparação individual

Pode ser equivocado considerar variáveis como modalidade esportiva, gênero, experiências, esportes coletivos ou individuais, por exemplo, para tentar estabelecer parâmetros certeiros de resposta do atleta. Isso quer dizer que, se tratando de suas capacidades psicológicas, as análises não podem seguir moldes preconcebidos de forma fixa, como explica Varley.

“Não é possível estabelecer estereótipos, dizendo que um atleta de tal modalidade, por ser mais jovem, estar na primeira Olimpíada, por exemplo, vai sentir mais, e que outro, mais experiente e de outra modalidade, não vai sentir. O que entendemos, dentro do treinamento psicológico, é que cada atleta responde de uma determinada forma”, relatou o professor.

 

Adam Peaty (esq) e Miguel Duran (dir) fizeram suas estreias em Jogos Olímpicos, na Rio 2016; Peaty foi campeão e recordista mundial da prova de 100m peito, enquanto Duran viveu um momento dramático: pulou na piscina antes da hora nos 400m livre e, na retomada, alegou ter perdido toda a concentração (Fotos: Getty Images/NurPhoto e Getty Images/Al Bello, respectivamente)

 

De acordo com Franco, a Psicologia do Esporte é fundamental no que tange o preparo mental de atletas em suas diversas atuações, e que as diferenças não acontecem somente de modalidade para modalidade. Dentro de um mesmo esporte, como o atletismo, por exemplo, há demandas diferentes.

“No atletismo, se olharmos para a prova de 100m, que é a mais rápida, contra a maratona, que é a mais longa, vemos que existem diferenças de características psicológicas. O atleta de 100m deve ter uma capacidade de percepção e reação muito boa, porque uma demora na reação pode ser fatal. Em contrapartida, para um atleta de maratona serão exigidas outras capacidades psicológicas, como gerenciar o stress e a dor”, apontou o professor.

 

À esquerda, disputa da prova de 100m; à direita, parte de uma maratona (Fotos: Getty Images/Mark Kolbe e
AP Photo/Emilio Morenatti, respectivamente)

 

Competir em casa

Estabelecer qual seria a reação de cada atleta à pressão de competir em seu país, por exemplo, é outro ponto arriscado. Entretanto é possível tentar diferenciar o tamanho dessa pressão em diferentes modalidades. No caso de atletas de esportes mais massificados e tradicionais, como o futebol, a pressão pode ser maior.

"É necessário analisarmos cada caso. Atletas de modalidades esportivas que, no Brasil, não possuem uma certa atratividade por parte da população, sofrem uma pressão menor que nosso futebol", afirmou Varley.

 

A seleção masculina de futebol  aplicou uma goleada de 4 a 0 sobre a Dinamarca e avançou às quartas de final da Rio 2016, depois de passar 180 minutos sem marcar nenhum gol (Foto:Ueslei Marcelino/Reuters)

 

Para Franco, a análise tem que ir de encontro às características específicas do atleta. "Não tenho muito a crença específica 'do jogar em casa' ou 'fora de casa'. Atletas mais experientes, por exemplo, têm um perfil resiliente, têm mais habilidade para lidar com os potenciais agentes estressores de uma competição. É muito mais uma característica da pessoa do que da situação que está enfrentando", disse o professor.

Atletas que chegam com muita expectativa depositada sobre eles podem também não conseguir assimilar a situação e acabam não alcançando suas metas, como Sarah Menezes e Felipe Kitadai no judô. Os dois vinham de importantes competições no ciclo olímpico, tinham sido medalhistas na última Olimpíada, mas não conseguiram disputar um lugar no pódio da Rio 2016.

 

Sarah Menezes, amparada após a derrota com uma luxação no cotovelo. Ela foi medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, enquanto Felipe Kitadai faturou o bronze na mesma competição. Imagens da Rio 216 (Fotos: Getty Images/Laurence Griffiths)

 

Intervenção da Psicologia do Esporte

A Olimpíada configura uma grande oportunidade para os atletas. São anos de preparação no ciclo olímpico até o momento de competir, onde eles são desafiados a lidar com pressões como a vinda da família, amigos, mídia, possíveis companheiros de equipe, treinadores, entre outros fatores influentes. Para tanto, a Psicologia do Esporte atua auxiliando-os na tentativa de tornar essas pressões pontos a favor.

Uma das ferramentas do profissional se fundamenta no suporte ao atleta na criação de uma fortaleza mental.  É como se houvesse um filtro, onde pudessem ser absorvidos somente os fatores capazes de enriquecer o seu trabalho. Como se fosse dito pra ele: “só deixe entrar o que você quer que entre”.

"Ensinamos estratégias de coping ou enfrentando, que são formas de lidar e enfrentar problemas. Têm também as técnicas de autoverbalização positiva, por exemplo, em casos onde o atleta se inferioriza, e fazemos com que ele pense ‘se eu estou aqui, é porque tenho condições, posso e consigo fazer’,  ‘preciso confiar em mim’.  Situações assim acontecem no ambiente do esporte”, apontou Varley.

 

Maior campeão da história dos Jogos Olímpicos, o nadador  norte-americano Michael Phelps já demonstrou seu grande preparo e equilíbrio perante as competições (Foto: Getty Images/NurPhoto)

 

Para Franco, muitas afirmações equivocadas partem da noção de que o profissional da Psicologia do Esporte é um psicólogo clínico, que espera o atleta em um consultório para atendê-lo. “Normalmente, o trabalho do profissional de psicologia do esporte é junto com a equipe, na qual ele vai orientar uma comissão técnica sobre como inserir os componentes psíquicos dentro do treinamento físico, técnico e tático”, pontuou Franco.

 

Ascensão e devido reconhecimento da Psicologia do Esporte 

Há um consenso de que as ferramentas da Psicologia do Esporte podem enrijecer o trabalho do atleta, e ela tem ganhado cada vez mais espaço nas equipes esportivas. Isso tem acontecido por conta da compreensão de que um atleta bem preparado mentalmente consegue ter mais controle de eventuais situações com as quais vai se deparar.

“O que observamos nos últimos anos, principalmente quando comparamos um ciclo olímpico com outro, é que a procura pelo profissional que trabalha com psicologia do esporte tem aumentado tanto nas confederações quanto nos clubes, ou até por iniciativa própria dos atletas”, afirmou Varley. 

E para que a essa área seja cada vez mais atribuído o justo valor, Franco ressaltou o trabalho que se estende também às comissões técnicas, que precisam tomar conhecimento da importância da Psicologia no desempenho e rendimento dos seus atletas.

“A compreensão da importância do desenvolvimento dessas habilidades vai facilitar muito a inserção do trabalho do psicólogo, que, com a aprovação da comissão técnica, vai ter o devido espaço para trabalhar com os atletas ao longo das unidades de treinamento”, analisou Franco.