Com avanço do "Programa Escola sem Partido", licenciatura da EEFFTO debate o tema | EEFFTO - UFMG  


Alto Contraste

PT ENG ESP





Com avanço do "Programa Escola sem Partido", licenciatura da EEFFTO debate o tema

17/10/2017 | 11:42

Por Jéssica Romero

A universidade pública é um dos pilares da educação enquanto direito universal. Além disso, é um espaço privilegiado de formação e de fomento das reflexões sobre questões que insurgem na sociedade. Pensando nisso, a Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG, recebeu, no dia 28 de setembro, um debate sobre o “Programa Escola Sem partido”, projeto que impacta diretamente a educação pública e os cursos de licenciatura. A atividade fez parte da disciplina de Estágios e foi mediada pelo professor José Angêlo Gariglio, do Departamento de Educação Física.

O docente convidou vereadores da Câmara Municipal de Belo Horizonte para debaterem contra e a favor ao projeto, mas entre os 12 vereadores chamados e que defendem a proposta, apenas dois responderam o convite alegando que não poderiam vir por falta de agenda. O restante não respondeu o pedido do professor. As solicitações foram registradas em lei e estão disponíveis para consulta. Entre as que repudiam a proposta, a vereadora Cida Falabella (PSOL) aceitou o chamado, e compôs a mesa ao lado do professor da Faculdade de Educação (FaE) Cláudio Márcio Oliveira.

O objetivo foi apresentar o programa e debater sobre como a medida vem sendo implementada em Belo Horizonte. A atividade teve como enfoque os estudantes da licenciatura, pois essa é a categoria de trabalhadores diretamente afetada pelo programa, caso ele seja aprovado.  “Nós entendemos que seria importante trazer o debate porque os professores são agentes de informação e devem conhecer o tema. O projeto tem a ver com nosso trabalho e a liberdade de cátedra em sala de aula”, explicou José Angêlo.

 

José Angêlo é lider do Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar (ProEFE) - Foto: Assessoria EEFFTO/Jéssica Romero

A vereadora Cida Falabella é atriz, diretora teatral e professora, formada em História e mestre em Artes pela UFMG. Em seu mandato na Câmara, tornou-se uma estudiosa do “Escola Sem Partido” e é uma das referências na luta contra sua aprovação. De acordo com a pesquisa feita pela equipe e comissão que atua nessa pauta em seu mandato, o "Escola Sem Partido" fundamenta-se e usa de um discurso que parte de seis pontos: vitimização da juventude; criminalização das professoras; doutrinação ideológica; ideologia de gênero; neutralidade do ensino e da máxima “meus filhos, minhas regras”. 

Em Belo Horizonte, o projeto está tramitando pelas comissões responsáveis para análise na Câmara Municipal. Um dos fatores questionados nesse processo é como ele vem sendo construído: em forma de decreto, retirando o respaldo e a participação da Secretaria Municipal de Educação para construir esse tipo de política. A nova definição do prefeito Alexandre Kalil foi feita no final do mês passado, anulando outro documento assinado por ele em 1° de setembro, que regulamentava a atuação da Secretaria.

"O que ocorre é um jogo com as palavras para atingir o senso comum, afinal, quem não quer uma escola sem partidos? Eu quero uma escola sem partidos, mas uma escola democrática, com diálogo e direito a manifestação de alunos e professores. Esse projeto é uma tentativa de desmontar a educação como direito universal, feito por um movimento de empresários ligados à educação, partidos de direita e a bancada evengélica fundamentalista. É um projeto político pedagógico para a nação em um momento oportuno de retrocessos históricos", disse a representante política. 

Cida Falabella é integrante do movimento "Muitas pela Cidade que Queremos" - Foto: Assessoria EEFFTO/Jéssica Romero

Cláudio Márcio Oliveira possui graduação e mestrado em Educação Física, e doutorado em Educação. Ele atuou como professor por 16 anos em diferentes níveis de ensino da educação básica e possui experiência nas áreas de educação física e Educação de Jovens e Adultos (EJA). O docente abriu sua fala relatando um episódio de censura que sofreu há três meses, após ter participado de um debate sobre o “Escola Sem Partido” em uma rádio mineira. A gravação nunca foi ao ar e não houve justificativa por parte do grupo empresarial de comunicação.

Durante sua participação na mesa, Cláudio leu um relato sobre como era uma aula na década de 1970 na Ditadura Militar brasileira. Para ele, os métodos de vigilância, censura e punição que o “Escola Sem Partido” impõe resgatam o autoritarismo e a repressão ao pensamento crítico da época.

“Temos que pensar em quais contextos históricos surgem esse tipo de reforma curricular. É um projeto que ataca as licenciaturas, pois coloca a centralidade da culpa no professor. O ESP é de interesse dos conglomerados que querem uma formação de caráter tecnicista e a privatização do ensino público”, afirmou.

Cláudio Oliveira graduou-se na UFMG - Foto: Assessoria EEFFTO/Jéssica Romero

Os estudantes presentes colocaram seus relatos, dúvidas e opiniões sobre as formas de impacto do projeto. Muitos dos presentes relataram já terem ouvido falar do projeto, porém não conheciam a fundo a proposta e seus impactos.  Outra questão apontada pelos estudantes foi a omissão e ausência dos vereadores a favor do projeto no evento. Para Leandro Martins, estudante do sétimo período de educação física, esse fato prejudica o caráter plural do debate.

“Vi essa pauta veiculando muito nas redes sociais, mas não tive tempo de ler a fundo a proposta, até por conta das demandas acadêmicas e de trabalho. Então foi importante ter essa exposição aqui para elucidar melhor a questão. Pena que da outra parte não veio ninguém para se posicionar e mostrar os argumentos”, opinou o graduando.

Leandro Martins está fazendo estágio de observação numa escola da rede pública de BH - Foto: Assessoria EEFFTO/Jéssica Romero

A aluna de licenciatura Luísa Barbosa, já está em fase de estágio e disse que a atividade serviu para que ela entendesse o que é o projeto. “Eu ouvia falar em escola sem partido e achava uma coisa boa, pois é um nome que não tem a ver com o projeto em si. Trazer essa atividade para dentro da EEFFTO em horário de aula foi muito bom e esclarecedor”, disse.

Luísa está em fase de conclusão da graduação - Foto: Assessoria EEFFTO/Jéssica Romero

 

Entenda os pontos apresentados na atividade

O primeiro ponto sobre a vitimização da juventude é o ponto que compete ao caráter de anulação da autonomia dos estudantes, na tentativa de privá-los do acesso às diferenças na escola (tanto em debates, conteúdos em livros didáticos ou mesmo durante conversas em sala de aula), quanto em suas escolhas pessoais, que podem ser diferentes do que a família espera. 


Segundo dados divulgados pelo MEC, 8 em cada 10 professores da educação básica são mulheres. Considerando isso, Cida usa o termo “criminalização das professoras” para identificar a classe como um todo, e ressalta o quanto a medida prejudica diretamente essas mulheres. O segundo ponto da avaliação trazida por ela é relacionada às punições diretas que o programa impõe sobre o profissional que não cumprir as medidas. Para ela, o projeto fere a liberdade de cátedra e é uma tentativa de ataque a uma categoria que tem consciência política e um histórico de conquistas e avanços sociais através de mobilizações populares.


O terceiro ponto fala sobre a “doutrinação ideológica”, expressão usada pelos criadores e apoiadores do projeto e que reflete certa manobra discursiva a respeito do significado da palavra ideologia.  Segundo o dicionário, ideologia é um conjunto de ideias que atribui à origem das ideias humanas às percepções sensoriais do mundo externo, ou seja, como a pessoa enxerga o mundo e se posiciona diante dele.  Numa explicação superficial, uma ideologia pode ser de esquerda ou de direita, mas no “Escola sem Partido” a palavra ideologia serve apenas para definir o que seriam posicionamentos de “esquerda”, anulando o fato de que a própria estrutura do projeto é uma tentativa de supremacia de ideias e propostas da ideologia de direita. Sendo assim, o que é considerado doutrinação só é criminoso se for uma ideologia de “esquerda”. Esse aspecto é considerado uma censura à pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, à liberdade de aprender, ensinar e educar. Esse é um direito garantido na Constituição Brasileira.


O quarto ponto também distorce a palavra ideologia e inventa a expressão “ideologia de gênero”. Esse fator se dá pela orientação religiosa fundamentalista da bancada que propõe o projeto. Para Cida e outros estudiosos que são contra o “Escola Sem Partido”, essa medida que visa a censura aos debates sobre desigualdade de gênero e diversidade sexual (machismo, sexismo e lgbbts) potencializa as opressões já existentes e as consequentes mortes e abusos que já ocorrem na sociedade. Além disso, esse ponto anula qualquer possibilidade de combate à pedofilia e ao estupro através da informação e da educação. 


A neutralidade do ensino é o tema do quinto ponto e parte da perspectiva de que a escolarização é apenas um processo de reprodução de conteúdos. Esse aspecto do projeto ataca disciplinas das ciências sociais, por exemplo, pois não compreende a educação como fenômeno político e de formação cidadã. Essa é a mesma lógica da Reforma do Ensino Médio, que desvalorizou a educação física enquanto disciplina escolar.


O sexto ponto está diretamente relacionado ao quinto, pois a máxima “meus filhos, milhas regras”, que é pregada pelo “Escola sem Partido”, anula o fato de que a educação acontece de forma integral e não só na escola. Isso quer dizer que, é impossível colocar as crianças e jovens “numa bolha” para que não tenham contato com o que é diferente de suas famílias. Os estudantes têm acesso a informações e comportamentos na família, no convívio social, nos meios de comunicação, na internet e em todo lugar que frequentam. Sendo assim, a educação precisa partir dessa concepção e contexto para lidar com esses sujeitos.