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A gravidez no esporte de alto nível: atleta do CTE-UFMG comenta os desafios enfrentados nessa fase

06/05/2022 | 16:13

Halterofilista do CTE-UFMG abre o jogo sobre como conciliar os treinos e a primeira gestação

Por Melissa Souza*

A atleta paralímpica do Centro de Referência Paralímpico Brasileiro do Centro de Treinamento Esportivo da UFMG (CRPB-CTE-UFMG), Cristiane Alves, está grávida de seu primeiro filho. A feliz descoberta trouxe incertezas em diversos aspectos da vida da esportista e, também, resultou em mudanças na rotina de treinos, que é de alta intensidade, além de ser um novo desafio em sua carreira. Agora o foco é priorizar a saúde da mãe e do bebê, mas a previsão é que ela retorne às competições ainda este ano. Assim como outras tantas atletas, a halterofilista agora tenta conciliar a vida de mãe de primeira viagem com o esporte.

As desigualdades sociais e de gênero são nítidas na sociedade em que vivemos, ainda mais no que tange a vida e a carreira de uma mulher. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), quase metade das mulheres que tiram licença maternidade estão fora do mercado de trabalho 24 meses após retomarem as atividades. E, no esporte, a situação é mais difícil, uma vez que as atletas precisam de dedicação e jornadas de treino longas, além de extrair o máximo rendimento do seu corpo - a carreira do atleta coincide, justamente, com a idade reprodutiva da mulher. A ideia de que uma mulher não pode ou não consegue conciliar a maternidade e uma carreira ao mesmo tempo, especialmente no esporte, ainda permeia a sociedade. Cristiane quer contar uma história diferente.

“É uma situação bem inusitada. Estou muito feliz com essa mudança e quero poder conciliar os dois. O meu sonho é viver do esporte, me vejo continuando nele e sendo mãe”, afirmou.

Nova rotina de treinos exige cuidados com a gravidez (Imagem: Melissa Souza/Assessoria CTE-UFMG)

 

Certamente, a nova fase irá demandar cuidados diferentes, pois é acompanhada por mudanças físicas que refletem na rotina de treinamento e nas competições. Os treinos sofreram alterações para atender as necessidades atuais, portanto, os exercícios estão mais voltados para a parte inferior do corpo e a prática, que antes era de segunda a sexta, foi reduzida para três dias na semana. Nas competições a mudança também foi considerável: de 90kg, a atleta passou a levantar 68kg, respeitando as orientações médicas e técnicas. A categoria agora é diferente, já que na modalidade os atletas são divididos conforme o peso corporal, que aumentou devido à gestação. A dieta de alimentação também ficou mais complexa, assim como o acompanhamento médico.

A última prova em que competiu foi a Primeira Fase Nacional do Circuito Paralímpico Loterias Caixa de halterofilismo, realizada entre os dias 8 e 10 de abril, em São Paulo. Nela, Cristiane ficou na quarta posição na modalidade de até 55kg feminino, na qual passou a ocupar o 3° lugar no ranking nacional. Com uma carreira recente, iniciada em 2019, ela participava da categoria de até 50kg, em que figurava na 2° posição no ranking. O resultado mostra como o rendimento da atleta se manteve bom, ainda que tenha sido afetado pelas mudanças causadas pela gravidez.

O treinador de halterofilismo paralímpico do CTE-UFMG, Marcelo Matos, menciona que foi realizada uma adaptação na rotina da atleta. Os ajustes foram realizados pensando nas condições atuais e também nos reflexos possíveis na recuperação de Cristiane após o parto, pensando em maneiras dela voltar ao seu rendimento o mais rápido possível. Caso o parto seja normal, a pretensão é que ela retorne aos treinos dentro de um mês, na medida em que se sinta bem.

“A preocupação é fazer o treinamento para manter a saúde dela e a do bebê, pois isso é mais importante nesse momento. Eu comentei com ela que a questão da performance em si vai ficar para outro momento. A gente vê os benefícios do treinamento a curto, médio e longo prazo, pensando também no retorno dela, para que seja mais rápido”, comenta Marcelo.

Naturalmente, combinar uma gestação com a rotina de uma atleta de alto rendimento é um grande desafio, mas é possível. A professora da Faculdade de Medicina da UFMG e integrante da equipe de medicina do CTE-UFMG, Sanny Faria, acompanha Cristiane e explica como uma atleta gestante deve proceder com os treinos durante a gravidez. A médica reforça o quanto é importante ter uma assistência completa e diversa durante a gravidez e como as alterações na rotina de treinamento são inevitáveis devido às transformações na condição física da esportista.

“O acompanhamento da esportista é feito por uma equipe multidisciplinar, incluindo profissionais de educação física, nutricionistas, fisioterapeutas, médicos, psicológos e obstetras. Durante a gestação, os exercícios deixam de ter objetivo de alto rendimento e passam a funcionar como manutenção  da atividade para promoção à saúde da atleta e do feto. A supervisão da evolução da gravidez pelo obstetra é fundamental para prescrição adequada da atividade física”, afirma a médica.

Além dos desafios na gravidez, a atleta já se preparar para uma rotina conciliando trabalho, treino e maternidade (Imagem: Melissa Souza/Assessoria CTE-UFMG)

Grávida de 32 semanas, a halterofilista também passou pelo receio de não conseguir conciliar o esporte de alto rendimento e a maternidade. Se, no primeiro momento, o desafio era em relação às condições físicas, agora, é sobre a rotina de atleta e mãe, uma vez que ambas demandam tempo e dedicação. Além disso, a situação financeira também tornou-se uma questão. 

“Agora as coisas estão bem diferentes. Dá mais medo, dá mais insegurança de como vai ser depois que ele nascer. Medo de eu não conseguir conciliar os três, não dar conta de tudo, pois vou ter que trabalhar, treinar e cuidar dele. Se eu tivesse a renda só do esporte seria mais fácil, mas eu não vou ter, então vai ser mais complicado”, disse.

Hoje, Cristiane é beneficiária da Bolsa Atleta do Governo Federal e da Bolsa Atleta do Governo do Estado de Minas, que supre as necessidades atuais, mas prevê que em breve seja necessário ter uma renda a mais. Essa situação expõe as dificuldades em ser esportista e mãe, levando não uma jornada dupla, mas tripla. Além disso, a duração das bolsas que recebe vai até julho de 2023 e, para serem renovadas, é preciso que ela tenha bons resultados nas provas. O objetivo é que a atleta consiga competir ainda esse ano, após o nascimento, para que possa concorrer à prorrogação. Apesar da bolsa ter uma previsão para ser encerrada, Cristiane sente que é uma segurança para ela e seu bebê.

Carreira como atleta

Atleta paralímpica do CTE-UFMG desde 2019, Cristiane começou sua trajetória quando aceitou conhecer o local em que treina atualmente, depois de alguns convites de seu treinador. Ao conhecer a modalidade, a atleta já começou os treinos e, no início de 2020, se destacou ao ganhar o ouro em sua primeira competição, mesmo tendo ingressado no esporte pouco tempo antes. Seu desempenho rendeu outras conquistas ao longo desses anos. Segundo Marcelo, apesar dele ter apresentado o esporte a ela, ele não acredita que seja mérito dele.

“Eu acho que faz parte do processo, então a gente está aqui somente para mediar esse processo, mas a protagonista dessa história é ela, é a Cristiane. Eu tenho certeza que pelo o que ela vem fazendo nos treinamentos e pelas perspectivas que a gente tem em relação a modalidade dela, eu acho que ela ainda vai competir por muito tempo e vai colher muitos frutos no halterofilismo”, disse.

*Estagiária sob supervisão de Mariana Gonçalves