Copa do Mundo 2022: torcedores LGBTQIA+ são orientados a não demonstrar afeto no Qatar | EEFFTO - UFMG  


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Copa do Mundo 2022: torcedores LGBTQIA+ são orientados a não demonstrar afeto no Qatar

04/11/2022 | 16:59

Por Fabiano Guieiro

No dia 20 de novembro de 2022 começa a Copa do Mundo de Futebol, que será realizada no Qatar, um país do Oriente-Médio que possui costumes diferentes de regiões ocidentais, como na América do Sul. Na região asiática, a religião predominante é a islâmica, o que atende a algumas questões que geram polêmica entre os torcedores de outras nações e a cultura local, dentre elas, o relacionamento homoafetivo.

O presidente do comitê organizador da Copa do Mundo no Qatar, Nasser Al-Khater disse em entrevista à CNN, que os torcedores LGBTQIA+ podem assistir aos jogos normalmente, mas que demonstrações de afeto serão mal vistas no país. 

O doutorando do Programa Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG, João Martins Nogueira Júnior, integrante do Grupo de Estudos de Futebol e Torcida (GEFUT) explica como o fato de um país onde a cultura não vê com bons olhos o relacionamento homoafetivo, irá abrigar o maior evento futebolístico do mundo.

“Essa pergunta é interessante porque vai tocar em questões ‘sociais’ e ‘econômicas’. Sociais porque diz respeito a discriminação ainda sofrida pelas pessoas LGBTQIA+ em nossa sociedade. Isso porque vivemos num país e numa comunidade planetária que ainda discrimina aqueles que fogem da norma cisheteronormativa. A mesma institui uma imposição social em que todos devem ser e se comportar de acordo com os padrões de homem e mulher a partir de uma visão biológica. Aqueles que não se encaixam nessa 'norma' por sua vez são discriminados e impedidos de viverem livremente. Quanto aos fatores de ordem econômica, a questão colocada nos faz considerar que a quantia e todo patrocínio envolvido em uma copa do mundo de futebol  é que determinam as decisões do tipo: que país sediará a competição, patrocinadores, infraestrutura do país-sede, etc”, argumentou.

As demonstrações de afeto em público são proibidas entre casais do mesmo sexo, bem como, entre casais de sexos diferentes. Além disso, o beijo público entre casais é proibido, assim como, não é permitido andar de mãos dadas ou dar abraços em público na cultura Islã, essas manifestações são consideradas uma ofensa.

Num esporte que envolve paixão como o futebol, onde num simples gol, vários estranhos se abraçam para comemorar, evitar essa emoção mais calorosa será um desafio aos torcedores que pretendem frequentar os estádios na Copa do Qatar.

“Não há como evitar esse tipo de comemoração. As pessoas quando estão num estádio de futebol torcendo pelo seu time se tornam uma massa humana única, movidas pela paixão ao seu time e aqueles ‘estranhos’ à sua volta acabam sendo velhos conhecidos/as e portanto, os abraços, beijos e todas as demonstrações de congraçamento irão acontecer inevitavelmente. Proibir esse tipo de comportamento além de ir de encontro às liberdades individuais, tem caráter opressor e ultrapassado. Acho difícil que eles imponham essa regra no caso da Copa do Mundo do Catar”, comentou o professor.

No Brasil, alguns torcedores de clubes tradicionais do Brasil, possuem torcidas organizadas LGBTQIA+, casos de Cruzeiro e América MG. Apesar de hoje haverem punições mais severas, a discriminação ainda continua nos estádios de futebol, seja em provocação entre torcedores e/ou jogadores.

“Infelizmente a discriminação e atos Lgbtfóbicos ainda são uma triste realidade nos estádios brasileiros. Só neste ano já ocorreram várias situações com gritos de torcedores que representaram essa atitude discriminatória e ainda hoje os alvos principais dos xingamentos e insultos são sempre as mulheres, as pessoas pretas e LGBTQIA+. Como exemplo recente disso, temos ações movidas pelo coletivo de torcidas Canarinhos LGBTQ junto ao STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), detalhando o que chamam de ações homofóbicas praticadas por torcedores, jogadores e presidentes dos clubes participantes dos campeonatos nacionais. O Canarinhos LGBTQ é uma articulação nacional de torcidas que visa combater a LGBTfobia no futebol, que tem apresentado documentos e vídeos de episódios em que são realizados cânticos com palavras de cunho homofóbico. As penalidades podem ser desde perda de pontos pelos times envolvidos até pagamento de multas e aqueles torcedores identificados serão impedidos de assistirem aos jogos nos estádios”, disse o doutorando.

Entre os anos de 2020 e 2021 foram contabilizados mais de 62 casos de LGBTfobia no futebol brasileiro, sendo 20 casos em 2020 e 42 em 2021, mais que a metade do ano anterior. Vale ressaltar que durante este tempo o país, assim como o restante do mundo, era afetado pela pandemia da Covid-19 e vários campeonatos foram paralisados por pelo menos 4 meses e logo após, boa porcentagem dos jogos foram de portões fechados, mas mesmo assim, atitudes homofóbicas foram identificadas, seja dentro de campo ou em redes sociais.

“Ações que proíbam o preconceito e a violência física e simbólica, como as citadas, são importantes de serem implementadas não apenas junto às torcidas, mas a todos aqueles envolvidos no meio futebolístico: jogadores, dirigentes, arbitragem, meios de comunicação, patrocinadores, etc. Isso porque, como esclarece Bandeira, estudioso dos estádios de futebol e torcidas, quando se se aprende a jogar ou a torcer não estão em questão apenas as melhores maneiras de se executar essas práticas, e sim o ingresso numa instituição repleta de significados. Por seu potencial é enorme, influência em nossa sociedade, o futebol tem muito a contribuir para uma sociedade inclusiva e diversa”, explicou.

Há ainda, muito receio por parte de torcedores com as leis severas do país asiático, seja ela sobre demonstração afetiva ou consumo de bebida alcóolica. Jogadores também estão preocupados com a rigidez das leis catarinenses, em especial, o lateral-esquerdo da seleção australiana Joshua Cavallo, que é assumidamente homossexual e chegou a dizer em entrevista ao podcast “Guardian´s Today in Focus” que está com medo de jogar a Copa do Mundo do Qatar caso seja selecionadopara jogar por seu país. Por isso segue a dúvida, porque um país tão rígido em leis, foi escolhido como sede do maior evento futebolístico do mundo.

“Uma das alternativas colocadas para o caso da copa de futebol de 2022 se realizar no Catar, país que tem leis severas contra a comunidade LGBTQIA+, seria que os países sede respeitassem os direitos humanos explicitado no Art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que diz: ‘Todos os seres humanos nascem livre e iguais em dignidade e direitos’. Essa simples condição seria um passo importante para que aqueles países que ainda são contra os direitos das pessoas LGBTQIA+ revejam suas políticas públicas e suas leis a esse respeito. Desse modo, todos/as/es que queiram usufruir do espetáculo se sentirão bem acolhidos em sua diversidade, atraindo mais adeptos à modalidade e contribuindo para que a mesma seja também um ator importante na construção de uma sociedade sem discriminação e qualquer tipo de violência”, comentou.

Segue abaixo uma lista com algumas torcidas organizadas LGBT espalhadas pelo Brasil:

  • ABC/RN - Frasqueira LGBT.

  • América-MG - Fora da Toca.

  • Athletico Paranaense - Furacão LGBT.

  • Bahia - LGBTricolor.

  • Botafogo - Torcida LGBTQIA+ Botafogo.

  • Ceará - Vozão Pride.

  • Corinthians - Fiel LGBT.

  • Cruzeiro - Marias de Minas.

  • Flamengo - Fla Gay.

  • Palmeiras - Porcoíris.

  • Paysandu - Papão Livre.

  • Remo - Leões com Orgulho.

  • Santa Cruz - Coral Pride.

  • Vasco - Vasco LGBTQ+.

  • Vila Nova - Tigrão LGBT.

  • Vitória - Orgulho Rubro Negro.

Consumo de bebidas alcoólicas no Qatar

Outro assunto que rende bastante polêmica é sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Qatar, o que também não é bem visto pelo governo local devido aos seus costumes e tradições. Muito se falou sobre proibição da venda de bebidas alcoólicas ou até o consumo delas serem feitas em lugares específicos como hotéis e espaços reservados dentro dos estádios, segundo o site UOL ESPORTE, o consumo de bebidas alcoólicas está proibido dentro dos estádios, mas a FIFA, entidade organizadora do evento, tenta recorrer sobre tal decisão, pois, um dos patrocinadores da Copa é uma cervejaria. Há uma expectativa de que camarotes e lugares estratégicos receberão o aval para liberar o consumo, algo histórico no país.