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Cruzeiro: controlar os ‘nervos’ é mais um desafio do time de Mozart na Série B

22/06/2021

Especialista em psicologia do esporte explica que em momentos de pressão como o vivido pela Raposa, as tomadas de decisões durante os jogos ficam comprometidas

Há quase dois anos, o Cruzeiro se meteu em uma crise da qual não encontra saída. Os problemas que assolam a Toca II são de conhecimento público, afetando a área administrativa e o futebol. Sem conseguir se encontrar em campo, o time teve um início ruim na Série B e se encontra em 18º lugar, na zona de rebaixamento.

Além de dar identidade à equipe, para que os bons resultados comecem a aparecer, o treinador Mozart Santos terá de atuar também o aspecto mental dos atletas. Em cinco jogos na segunda divisão foram quatro expulsões, deixando a Raposa no topo do ranking nesse quesito.

Adriano e Fábio deixaram a partida contra o Confiança ainda no primeiro tempo. O volante levou o vermelho aos 40 minutos, após uma sequência de faltas, e o goleiro, aos 42, depois de tocar a bola com a mão fora da área. Com dois jogadores a menos, a equipe estrelada foi batida por 3 a 1. No empate contra o Goiás, em 1 a 1, o meio-campo Jadson conseguiu a proeza de ser expulso no banco de reservas, por reclamar da arbitragem. No revés de sábado para o Operário, por 2 a 1, foi o zagueiro Weverton quem deixou o gramado mais cedo, ao fazer falta dura, aos 28 minutos de confronto.

Além de organizar o time, Mozart tem a missão de recuperar a tranquilidade da equipe
Além de organizar o time, Mozart tem a missão de recuperar a tranquilidade da equipe — Foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

Com 25 anos de experiência prática e teórica nas áreas do futebol e da psicologia do esporte, o professor doutor Varley Costa, do UFMG Soccer Science Center, aponta que a pressão vivida em equipes que passam por turbulência como o Cruzeiro pode afetar o comportamento de alguns jogadores durante as partidas.

"Quando há problemas extracampo e dentro, os atletas emocionalmente não conseguem administrá-los e isto acaba mudando o seu estado mental na partida. A parte cognitiva fica alterada, existe alterações nos seus níveis de atenção e percepção e isto atrapalha as tomadas de decisão durante o jogo, fazendo com ele erre jogadas relativamente simples. Pelo lado emocional, o estresse, a ansiedade e a pressão por vencer também podem atrapalhar muito e provocar expulsões bobas. No plano comportamental, um atleta sem confiança tende a não tentar um drible, uma jogada em direção ao gol. Observando todos estes aspectos, verificamos que ele pode perder todo o controle psicológico necessário para se jogar uma partida de futebol profissional”, explica Varley.

Varley Costa já desenvolveu trabalhos na área da psicologia do esporte em vários clubes
Varley Costa já desenvolveu trabalhos na área da psicologia do esporte em vários clubes —
Foto: Divulgação

Além da alteração psicológica, a insegurança provocada pela má fase do time tem efeito no desempenho dos atletas na tomada de decisões durante uma partida. Com isso, lances que seriam executados com tranquilidade e naturalidade passam a ser um obstáculo adicional durante os 90 minutos das partidas.

"Cognitivamente os jogadores estão tão alterados que perdem a qualidade. O medo de errar uma jogada, de mais uma derrota, de sair do time, tudo isso atrapalha a coordenação no momento de fazer um bom lançamento, dar um chute. Além disso, estando com medo, inseguro, o jogador apresenta um outro perfil de contração muscular, perdendo a qualidade técnica e errando lances relativamente simples em campo. Os atletas se sentem inseguros. Tudo resulta num efeito emocional negativo e afeta a performance técnica, tática e física. Ele sai do seu equilíbrio emocional e passa a não tentar as jogadas. Em síntese,  com 11 atletas em campo fazendo o simples, a equipe está mais distante das vitórias”, aponta o especialista.

O lance que resultou na expulsão do zagueiro Weverton pode ser utilizado como exemplo para o desequilíbrio emocional citado por Varley Costa. O jogador deu um carrinho imprudente no volante Leandro Vilela e recebeu o cartão vermelho direto do árbitro Paulo Henrique Schleich Vollkopf.

"Um atleta que está pressionado usa muito o lado emocional e a percepção fica atrasada. Se for dividir uma bola, ele tem a sensação de que vai chegar no lance antes, mas a alteração do ponto de vista psicológico compromete (a percepção). Após o lance da expulsão, provavelmente, ele (Weverton) pode ter pensado: ‘poderei ser sacado da equipe ou posso não ser aproveitado nos próximos jogos'. Alguém precisa conversar com ele. Dizer que isto faz parte da profissão e ele precisa aprender com os erros. Pois trata-se de um atleta jovem, ainda em formação, e que é um ativo do clube. O treinador precisa transmitir segurança e calma. Assim que você começa a reabilitar o grupo”, exemplifica.

Comandante tem de passar tranquilidade, diz ex-técnico Palhinha

Em 1994, a Raposa viveu uma pressão muito forte e só se safou do rebaixamento na repescagem do Brasileiro, ao vencer o União São João de Araras, por 3 a 2, fora de casa. Com o resultado, o time ficou à frente do Remo no número de vitórias e seguiu na primeira divisão.

Treinador da equipe na ocasião, Vanderlei Eustáquio de Oliveira, o Palhinha, reforça que em momentos assim o comandante precisa passar tranquilidade aos atletas, sobretudo aos mais jovens.

“Com uma pressão dessa, é preciso ter comando e transmitir tranquilidade para o jogador. Principalmente aos mais novos. O treinador tem de conversar muito, porque eles não têm obrigação de resolver a situação do time. O torcedor também precisa ter paciência, porque esta instabilidade dos jogos é algo que passa com o tempo”, avalia.