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Músicas de Atlético e Cruzeiro mostram que LGBTfobia nunca foi caso pontual

12/05/2022

Jogo da Série B no último domingo ficou marcado por cantos homofóbicos no Independência, mas episódios são mais frequentes do que as punições

João Vitor Marques

 
As arquibancadas cheias do Independência pulsavam, mas não em alegria pela vitória do Cruzeiro. O tom era outro: de ódio e LGBTfobia direcionados ao povo gaúcho e ao Grêmio, rival histórico e adversário da tarde pela Série B. O 'troco' dos torcedores visitantes foi no mesmíssimo nível.
 
Os cantos homofóbicos entoados por cruzeirenses e gremistas no último domingo geraram críticas, debates e denúncias. Mas episódios como esse não são pontuais. Pelo contrário: ocorrem com muito mais frequência do que as punições para combatê-los (assista no vídeo acima).
 
"Existe no Brasil uma lei que criminaliza (a LGBTfobia). Esses casos que aconteceram recentemente podem se tornar uma forma de conscientizar as pessoas. Com crianças e jovens, nós educamos. Com adultos, a gente aplica a lei para puni-los", pontua o pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Martins, que tem experiência em estudos de gênero e sexualidade.
 
Em Minas Gerais, torcidas dos dois principais clubes cantam músicas que propagam LGBTfobia, machismo e outros tipos de preconceito. Toda quarta-feira e domingo, as arquibancadas do Mineirão ou do Independência dão lugar ao discurso odioso travestido de 'brincadeira'.
 
"As pessoas tendem a reproduzir (nos estádios) esse comportamento dito 'hétero', machista, que é o violento, o grosseiro, o desrespeitoso. Porque a gente vem de uma cultura que associa o masculino a ser o forte, o viril, o que xinga, o que mostra força", analisa o professor.
 
Bandeira LGBTQIA+ em estádio de futebolfoto: AFP / Bandeira LGBTQIA+ em estádio de futebol

Músicas das torcidas de Atlético e Cruzeiro

Pelo Brasil, raras são as torcidas que não cantam músicas que reproduzem a LGBTfobia. Em Minas Gerais, não é diferente. Dos lados azul ou alvinegro do estado, há vários exemplos de cânticos com esse tom.

 
"Pau no ** do Cruzeiro
Bicharada a cantar"
 
"Chupa **** e dá o **
Ei, Galo, vai tomar no **"     
 
"Esses palavreados de certa forma chulos que as torcidas tem é para associar a imagem do time aos homossexuais, que praticam um certo tipo de ato sexual. Isso, mais uma vez, quer colocar essas pessoas como inferiores, de humilhação. Isso é reproduzido todo dia, não só no futebol", explica João Martins.
 
Na mesma esteira da LGBTfobia, a inferiorização das mulheres é outro tema frequente de músicas das arquibancadas. Termos como 'franga', para se referir ao Atlético, e 'Maria', em menção ao Cruzeiro, estão presentes nas canções.
 
"Franga 
Sua camisa é rosa
Flanelinha na mão
Torcidinha horrorosa
Do expresso da paixão
Xalaia laia xalaia laia
Chacota do Mineirão"
 
"Só nesse trecho tem tantas palavras que remetem a preconceitos... Quando fala 'franga', está relacionado à questão de feminilizar as pessoas, como se a mulher fosse inferior ao homem", pontuou o professor.
 
"Quando citam a camisa rosa que o Galo utilizou... É apenas uma cor, mas tem um significado poderoso, porque quer dizer o lugar que cada um é colocado. É uma normatização posta de sexualidade, gênero e criação que separa o que é de homem (azul) e o que é de mulher (rosa). O ser humano é muito mais diverso que isso. Não é uma cor que vai me definir", prosseguiu.
 
Do lado atleticano, o cenário é muito semelhante. Há músicas que trocam a palavra 'Cruzeiro' por 'Maria', também para inferiorizar a mulher.
 
"Maria, eu sei que você treme
Sempre que o Galo vai jogar
Eu vi Riascos ir pra bola
E o Victor de bico isolar"
 
"Tanto uma torcida, quanto a outra, reproduz esses estereótipos de gênero e de uma formação de longa data. 'Maria' é um nome feminino. Então, para você, mulher é inferior ao homem. A gente vive em uma sociedade machista, heteronormativa e preconceituosa de todo tipo: de raça, etnia, sexualidade, gênero", prosseguiu João Martins.
 
"A gente tem que questionar essa visão de mundo única, patriarcal, e pensar o mundo de uma forma diversa. O ser humano não cabe em uma caixa. Ele é diverso e pode ser o que quiser ser. E obviamente isso se transpõe em sua forma de torcer, existir e no seu direito de torcer e praticar determinada modalidade, como é o caso do futebol", finaliza.