Algumas crianças parecem ser mais desajeitadas ou estabanadas que as outras. Elas ficam tristes por não conseguir acompanhar os colegas nas brincadeiras motoras e, muitas vezes, são alvo de comentários de professores e colegas, devido à letra feia, cadernos bagunçados, o cabelo mal penteado e as roupas em desalinho. Essas crianças costumam se envolver em situações embaraçosas, como tropeçar e cair no meio da apresentação de teatro da turma, não conseguir agarrar uma bola chutada pelos colegas, escorregar na carteira e cair no chão, e acabam ganhando nomes ou apelidos, que sinalizam sua condição e as excluem de certas atividades ou grupos sociais. Um exemplo é aquela criança mais quieta, que nunca é chamada para brincar com os colegas no recreio ou, ainda, ela é a última a ser convidada para entrar no jogo de bola. Muitas pessoas, inclusive pais e professores, acham que a criança é apenas preguiçosa, insegura ou desinteressada, mas deve-se observar com mais cautela, pois muitas dessas crianças apresentam o que é chamado de Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação ou TDC.

O diagnóstico de TDC é dado pelo médico quando observa atraso no desenvolvimento das habilidades motoras, grossas e finas, que resultam em dificuldade no desempenho das atividades escolares, de vida diária, no brincar e lazer. Geralmente são crianças inteligentes, com habilidades em muitas áreas, mas que não conseguem desempenhar tarefas motoras com a mesma rapidez e eficiência que os colegas da mesma idade. Como descrito nos exemplos acima, o TDC não é apenas um problema motor, pois a criança que é desajeitada tem dificuldade em socializar com os colegas e, devido às situações frequentes de frustração, acaba por ter baixa autoestima e outras questões comportamentais.

Não se sabe ao certo as causas do TDC, mas é alguma coisa relacionada ao funcionamento do cérebro, sendo bastante comum em crianças que nascem prematuramente. O transtorno motor não está associado à falta de prática ou experiência com atividades motoras, mas quanto maior a dificuldade motora, mas difícil para a criança se interessar por esportes ou atividades de movimento, o que pode gerar sedentarismo e suas consequências. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que este transtorno afeta 5% a 6% das crianças em idade escolar, tendendo a ocorrer com maior frequência em meninos – proporção de 4 ou 5 meninos para cada menina. A literatura sobre o TDC é vasta, sendo evidente que é uma condição que persiste no adulto, com influência na escolarização e opções de trabalho, tendo impacto tanto na vida da criança, como nos outros membros da família.

Os primeiros sinais do transtorno surgem cedo na infância. Alguns pais mais experientes, logo começam a notar que alguma coisa é diferente, pois o bebê é mais lento e demora mais a sentar, andar e manusear objetos com destreza. Com o aumento na mobilidade, algumas crianças tendem a ser mais passivas, evitando desafios e atividades motoras novas, outras são mais impulsivas, destruindo brinquedos na tentativa de descobrir como funcionam. À medida que a criança cresce, começam a aparecer dificuldades ou lentidão no autocuidado, em lidar com fechos, botões e amarrar sapatos, e para usar utensílios, como talheres e tesoura. Não é que a criança não consiga fazer as tarefas, mas se observa esforço aumentado, frustração e cansaço, sendo que, com o tempo, a criança acaba evitando as atividades mais desafiantes. Brincadeiras que requerem boa coordenação olho-mão, equilíbrio e planejamento motor, como arremessar, agarrar e chutar bolas, também constituem desafio para crianças com TDC. Embora muitas dessas dificuldades possam passar despercebidas, ou serem interpretadas como variações do normal (ex.: eu também era desajeitado quando criança; o fulano também era assim e hoje é um grande atleta), com a entrada na escola e aumento de demanda por escrita rápida e legível, o problema é detectado pela professora, o que acaba levando ao diagnóstico.

No quadro abaixo listamos sinais que os pais observam nas diferentes idades.

2-7 anos

Problemas motores

  • Atraso motor grosso e fino
  • Demora a andar de triciclo, não arremessa ou agarra bem uma bola
  • Não consegue andar de bicicleta, dificuldade para pular e saltitar
  • Baixo condicionamento físico, cansa com facilidade.
5-9 anos

Dificuldade nas AVD

  • Dificuldade para manusear utensílios, os objetos escorregam das mãos
  • Precisa de ajuda para vestir e se arrumar,
  • Não consegue amarrar sapatos, manejar zíper e botões,
  • Faz bagunça para comer, dificuldade no uso de talheres, não consegue cortar os alimentos.
7-12 anos

Dificuldades na escola

  • Pega no lápis de maneira desajeitada,
  • Dificuldade para terminar trabalhos escritos
  • Discrepância entre habilidade verbal e o desempenho em provas e avaliações
  • Frustração com a escrita e dever de casa
8-13 anos

Socialização

  • Participação limitada em esportes e atividades extracurriculares,
  • Tende a observar ao invés de participar
  • Vitimização / bullying, isolamento social
11 anos em diante

Comportamento

Emocional

  • Fica frustrado, evita brincadeiras ativas e atividades motoras finas
  • Não gosta de esportes e recreação ativa, risco de sedentarismo
  • Faz comentários autodepreciativos
  • Baixa autoestima, baixo senso de competência
  • Ansiedade, depressão, isolamento

(Adaptado de Missiuna, Gaines, Sucie, 2010)

É importante observar que o TDC muitas vezes não vem sozinho, geralmente está associado a outras condições, como o transtorno de aprendizagem, problemas de linguagem ou ao transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A fim de minimizar os problemas no dia-a-dia das crianças, pais e professores podem auxiliá-las, modificando o ambiente e adaptando as tarefas, para permitir o sucesso e aumentar o senso de competência. A melhor forma de ajudar a criança é entender o que é o TDC. Só compreendendo a situação individual da criança podemos pensar em estratégias para ajudá-la a dominar os problemas que enfrenta no dia-a-dia.

Algumas das características da criança com TDC:

  • Desajeitada ou incoordenada em seus movimentos. Tromba em obstáculos, derrama ou derruba coisas com mais frequência que crianças de mesma idade;
  • Atraso no desenvolvimento de habilidades motoras grossas e finas;
  • Demora mais para aprender novas habilidades motoras;
  • Tem dificuldade para fazer atividades que requerem o uso coordenado dos dois lados do corpo (ex.: recortar com tesoura, escrever, cortar comida usando garfo e faca, agarrar bola e andar de bicicleta);
  • Pode apresentar questões emocionais secundárias, como baixa tolerância à frustração, autoestima diminuída e pouca motivação para fazer atividades esportivas;
  • Tem dificuldades para organizar sua carteira/mesa, armário, mochila, cadernos, ou mesmo os brinquedos;
  • Mais lenta nas atividades escolares que exigem desempenho motor, como copiar do quadro, usar régua, fazer o dever de casa;
  • Estão mais propensas a ter dificuldades na escola e pouca competência social;
  • Tendem a não participar voluntariamente de atividades motoras, o que resulta em menos oportunidades para fazer exercícios e manter bom condicionamento físico.

Dentre os profissionais envolvidos na atenção à criança que apresenta déficit na coordenação motora, destaca-se o Terapeuta Ocupacional. Partindo da análise minuciosa das tarefas exigidas no contexto escolar e familiar, o terapeuta ocupacional pode sugerir estratégias para adaptar o ambiente e as tarefas, reduzindo, assim, a demanda motora o que vai melhorar o desempenho da criança. O terapeuta pode também recomendar atividades e brincadeiras, com desafio na medida certa, para estimular o desenvolvimento das habilidades motoras finas e grossas. O trabalho do terapeuta inclui a educação de pais, professores e demais profissionais da saúde sobre o que é o TDC e quais as melhores estratégias para facilitar o dia-a-dia da criança.

Modificação do ambiente, adaptação de tarefas e o uso de estratégias cognitivas, são apenas alguns exemplos do que pode ser feito para aumentar as chances de sucesso no desempenho e melhorar a autoestima e a qualidade de vida de crianças com transtorno da coordenação.

Para saber mais sobre o TDC:

Leia a Cartilha “Crianças com Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação: em casa e na sala de aula” escrita pela terapeuta ocupacional canadense Cheryl Missiuna e traduzida para o português, disponível no  CanChild  – Centre for Childhood Disability Research: https://www.canchild.ca/system/tenon/assets/attachments/000/001/669/original/developmental_coordination_disorder_home_school_community_booklet_portuguese.pdf

Acesse estudos sobre o TDC:

Araújo, C. R. S., Magalhães, L. C.. Cardoso, A. A. Uso da Cognitive Orientation to Daily Occupational Performance (CO-OP) com crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v.22, no.3, p.245-253, 2011.

Galvão, B. A. P., Bueno, K. P., Rezende, M. B.; Magalhaes, L. C. Percepção materna do desempenho de crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação. Psicologia em Estudo, v.19, p.527-538, 2014.

Visite sítios informativos sobre TDC:

http://www.canchild.ca/en/diagnoses/developmental-coordination-disorder
http://www.movementmattersuk.org/dcd-dyspraxia-adhd-spld/uk-dcd-consensus.aspx

Se informe sobre nossas pesquisas:

http://www.eeffto.ufmg.br/ideia/avaliacao-e-intervencao-com-criancas-e-adolescentes-com-transtorno-do-desenvolvimento-da-coordenacao-tdc/