Profissionais da Educação Física repercutem possível não obrigatoriedade da disciplina no ensino médio | EEFFTO - UFMG  


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Profissionais da Educação Física repercutem possível não obrigatoriedade da disciplina no ensino médio

07/10/2016 | 14:25

Recentemente, efervescentes discussões repercutiram após o anúncio do governo federal da possível implantação de uma reforma no ensino médio. Em um primeiro momento, como uma Medida Provisória (MP), a decisão englobava reformulações nessa etapa da trajetória escolar como carga horária de 800h para 1400h e modificações no percurso curricular obrigatório. A possibilidade de mudança agitou a rotina de professores e futuros educadores dessas áreas. Na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO), da UFMG, alunos e professores do curso de Educação Física se mobilizaram em discussões sobre o assunto.

Retrospectiva

A MP foi divulgada no dia 22 de setembro, começando a contar, a partir dessa data, 120 dias para ser votada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Caso fosse aprovada nas duas casas, iria se tornar lei. Uma das mudanças previa reconsiderar a obrigatoriedade de quatro disciplinas: educação física, artes, filosofia e sociologia, que deixariam de constar no currículo obrigatório. Frente a polêmica instaurada, o governo federal voltou atrás e deixou a cargo da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), a decisão acerca das disciplinas.

A BNCC é um documento que estabelece quais conteúdos devem ser abordados na trajetória escolar, e que serve de base para as escolas montarem seus próprios cronogramas e matrizes curriculares. Ela foi discutida por cerca de dois anos em todo o país por educadores, professores e profissionais da educação em geral. Prevista para ter seu parecer final em novembro, agora a BNCC terá a missão de discutir sobre a obrigatoriedade das quatro disciplinas, em decisão que deve sair no ano que vem.

Repercussão

O professor da EEFFTO, e especialista em educação física escolar, José Ângelo, comentou a possibilidade das quatro disciplinas se tornarem optativas para os alunos e apontou para uma acentuação de uma hierarquização de saberes que, segundo ele, já permeia o sistema de educação.

Professor José Ângelo em palestra da EEFFTO

“O currículo escolar é marcado por uma hierarquia, chamada de hierarquia de saberes escolares. Então as disciplinas que têm uma relação com conhecimentos de caráter mais teórico, conceitual, têm no currículo, invariavelmente, um status maior. Com essa reforma, a legislação aprofunda, radicaliza e polariza essas relações de poder. Ela acentua as hierarquias de saberes, classificando ainda determinadas disciplinas como menos importantes e elevando outras disciplinas”, analisou o professor.

Outro ponto abordado por José Ângelo foi o fato de uma medida com impactos tão grandes ter sido anunciada via MP. Ele acredita que uma medida de tão grande importância precisaria de um debate mais profundo. Ainda de acordo com o professor, a ideia do governo federal de flexibilizar o currículo já acontece na prática, já que as escolas têm liberdade para pensarem as disciplinas e os projetos por eixos curriculares. Com a MP, o conteúdo obrigatório seria reduzido para priorizar cinco áreas de concentração: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas, formação técnica e profissional.

Educação física: um saber emancipatório

Especificamente no caso da educação física, José falou do valor da integração da disciplina no percurso obrigatório. Segundo ele, a partir dela, o aluno se lança a uma experiência prática corporal para enriquecer as suas experiências de vida, para ser feliz e usufruir do mundo. Dimensões essas que devem ser tratadas na escola. 

“A educação física tem o papel importante de dar elementos de reflexão, conhecimentos de caráter conceitual e de caráter procedimental, que são fundamentais para as pessoas se inserirem nesse universo cultural das práticas corporais e poderem se apropriar dele. Ela dá a possibilidade das pessoas criticarem, por exemplo, a espetacularização do esporte, a ideia dos padrões estéticos; possibilidade de decifrar as relações de gênero no mundo esportivo e as questões relacionadas ao doping no esporte de alto rendimento”, esclareceu o professor.

Limitação no mercado de trabalho

O aluno de graduação em Educação Física da EEFFTO Marcos Buba está em fase final do curso, tendo já passado pelas três etapas de estágio previstas na grade curricular. Com experiências que foram da observação até a intervenção, o graduando acredita que é um risco deixar nas mãos do aluno a escolha de qual área priorizar. “Eu acho que a gente joga uma responsabilidade para um adolescente, em seus 15, 16 anos, de ele ser capaz de pensar o que quer para sua vida. Com 17 anos, já pensar no vestibular é muito difícil, as dúvidas são grandes, tanto que temos colegas que já largaram a Educação Física no 8º período pra fazerem outros cursos, ou então gente que largou outros cursos pra virem fazer Educação Física”, analisou.

                Marcos ministrando oficina de artesanato

Para Marcos, tirar a obrigatoriedade da disciplina é também tirar do aluno a chance de usufruir das articulações que a disciplina pode fazer com as outras. “O jovem perderia muito com essa decisão, porque é uma disciplina básica. Nós dialogamos com história, pensando a história do corpo, com as biomecânicas e os ângulos que podem ser discutidos com matemática, com a geografia, em como cada corpo ocupa um espaço. O corpo do nordestino ocupa um espaço, e o do mineiro, outro”, apontou o graduando.

Perspectivas no curso

Se essa medida atinge os anseios de alunos no fiml do curso, o mesmo ocorre com os que estão em períodos iniciais. Graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o aluno do 2º período de Educação Física da EEFFTO, Guilherme Mantovan, criticou a posição inicial do governo federal em liberar a decisão por meio de uma MP. “Achei bastante arbitrária a decisão porque veio por meio de MP e não teve diálogo nenhum com o educador sério no Brasil. Também é mais uma forma de suprimir uma área de conhecimento que luta bastante para mudar seu papel, para mudar como é vista na sociedade, que é a educação física”, analisou Guilherme.

Guilherme Mantovan (meio), em participação de assembleia na EEFFTO, que discutiu a MP 

Ainda de acordo com o graduando, a disciplina assume um papel sem igual no percurso escolar, o que não justificaria a medida de torná-la optativa. “O pior é tirar uma disciplina que não tem nada parecido na grade curricular, que é um contato com as práticas corporais, com as manifestações culturais, da maneira com elas são; que fala da cultura que nós temos. Nada pode substituir isso”, avaliou o aluno.