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8 de Março: Mulheres da EEFFTO falam sobre desafios e potenciais no mundo do trabalho

08/03/2017 | 14:37

Desigualdade salarial, falta de visibilidade e reconhecimento, assédio moral e psicológico e a dupla jornada não remunerada são alguns dos obstáculos diários enfrentados por mulheres no mundo do trabalho. Nas áreas da Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional não é diferente.

Para as mulheres que escolhem a Educação Física, profissão ligada ao universo das atividades físicas e esportivas, os desafios perpassam principalmente por vencer a ideia de que nesse meio, as mulheres possuem papéis secundários ou são o “sexo frágil”.

De acordo com a professora do curso de Educação Física da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG,  e coordenadora de acervo do Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer (CEMEF - UFMG), Meily Linhales, historicamente a Educação Física sempre foi um meio e uma profissão protagonizada por homens.

“Desde o estabelecimento das escolas de Educação Física e dos métodos ginásticos, criados e conduzidos por médicos e militares, esse era um meio dominado por homens. Em meados do século XX, o 'ethos esportivo' passa a predominar na Educação Física, e esse protagonismo permanece. Em Minas Gerais, apenas com a inserção de cursos de formação específicos para mulheres ensinarem Educação Física para crianças, é que elas começam a conquistar espaço”, explica Meily. Ainda assim, o espaço destinado para atuação das mulheres estava ligado ao que é considerado socialmente como função delas: a maternidade e o cuidado com as crianças.

Meily Linhales

 

Mesmo depois de anos de resistência das mulheres no mercado de trabalho e algumas conquistas de direitos, a diferença de visibilidade e de tratamento entre homens e mulheres nas várias esferas da carreira de Educação Física ainda são gritantes.

A aluna de Educação Física da EEFFTO Fernanda Nândrea é árbitra assistente da Federação Mineira de Futebol (FMF) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e vive isso em seu cotidiano de trabalho. “Eu já ouvi muito ‘ah, se fosse homem, não errava aquele lance’, ou então ‘nossa, trabalha tão bem como um homem’. Hoje em dia tenho ouvido menos isso, não sei se por estar há mais tempo na arbitragem, mas ainda tem muito desrespeito com a mulher”, diz a árbitra.

Fernanda Nândrea (esq) compôs um trio de arbitragem feminino em jogo masculino, o que pouco acontece; na ocasião, auxiliou Josiene Dinelle (centro), ao lado de Helen Aparecida (dir), na vitória do Santos por 1 a 0 sobre o América-MG, pela Copa do Brasil Sub-20 (Foto: Carlos/PortaldabaseBrasil)

 

A desigualdade salarial na carreira também é um grande problema enfrentado pelas mulheres. Até as maiores estrelas do esporte comprovam isso. Na última lista divulgada pela Forbes, entre os cem atletas mais bem pagos do mundo estão apenas duas mulheres: as tenistas Serena Williams, que recebe US$ 28,9 milhões, e Maria Sharapova, com US$ 21,9 milhões por ano, respectivamente 40º e 88º no ranking. Valores altos, mas que não representam nem a metade do que recebe o tenista Roger Federer, US$ 67 milhões.

Já na área da saúde, como a Fisioterapia e a Terapia Ocupacional, as mulheres são maioria, mas os desafios também existem. A professora do curso de Fisioterapia da EEFFTO Daniela Vaz ressaltou essa característica e os problemas enfrentados pelas mulheres durante um discurso de formatura no final do ano passado. Na ocasião, 92% da turma era formada por mulheres. Reproduzimos aqui, parte de sua fala:

“Os desafios são muitos. Cerca de 80% dos fisioterapeutas são mulheres. As mulheres são maioria entre várias profissões da saúde, como a enfermagem, nutrição, psicologia e a terapia ocupacional. A proporção de mulheres também tem crescido bastante entre profissões de saúde tradicionalmente masculinas como a medicina, a odontologia e a veterinária. Por um lado, isso mostra que estão acontecendo avanços na emancipação das mulheres, o que é fundamental para uma sociedade mais justa e mais igualitária.

Quais são os desafios então? A questão é que por outro lado, vários estudos científicos e várias estatísticas mostram que as profissões mais feminilizadas, ou seja, com maior proporção de mulheres, ainda são mais desvalorizadas. Entre trabalhadores, as mulheres têm, em geral, mais escolarização, mais qualificação e apesar disso, recebem cerca de 30% menos que os homens, para exercer as mesmas funções. A desigualdade vem caindo. Em 1980, ela era bem pior, já que  as mulheres ganhavam, em geral, 45% menos que os homens. Mas no ritmo atual de mudanças, as mulheres só ganhariam o mesmo que os homens em 2095. As taxas de desemprego ainda são maiores entre as mulheres, e, além disso, elas ainda têm uma jornada dupla ou tripla de trabalho, elas ainda assumem mais responsabilidades que os homens, nos cuidados com a casa, com as crianças, com os idosos. Então é um carga excessiva de trabalho, um trabalho não remunerado, não valorizado, no entanto, um trabalho fundamental para o funcionamento da sociedade.

Esse é um grande desafio. Todos esses fatores dificultam o acesso das mulheres, maioria entre nós, fisioterapeutas, ao mercado de trabalho. Muitas vezes eles implicam para a mulher fazer muitos sacrifícios ou na vida particular/familiar, ou na vida profissional. Temos esse grande desafio de romper com essa divisão sexual do trabalho. Agora, além desses desafios, as potencialidades também são muitas. Cada uma de vocês, mulher formanda, que estuda, que se aperfeiçoa e que luta no dia a dia pelo espaço e reconhecimento como profissional colabora com a diminuição da desigualdade de gêneros. Cada um de vocês, homens formandos, que assume uma postura crítica e consciente sobre esses mecanismos de desigualdade, combatendo-os, também contribui para a valorização da profissão de fisioterapia como um todo.

Outro potencial está no tipo de saber e de prática, que a nossa situação social enquanto mulheres nos fez aprender especialmente bem. Os nossos papéis são tipicamente relacionados a servir, educar e cuidar. A gente faz isso há séculos, e isso nos fez desenvolver uma habilidade fundamental para a nossa profissão: empatia. A empatia é a habilidade de entender e compartilhar os sentimentos da outra pessoa, de valorizar a sua perspectiva e os seus interesses. Eu acredito que a empatia é uma habilidade afetiva, cognitiva e moral, que tem uma força revolucionária no cuidado e na saúde.

Vou dar um exemplo: Nise da Silveira foi uma brasileira pioneira em uma área da saúde tradicionalmente masculina, a psiquiatria. Ela começou a trabalhar em uma época em que os pacientes eram submetidos a cirurgia para mutilação do córtex frontal, em um procedimento chamado lobotomia. As cirurgias eram feitas com o objetivo de controlar o comportamento desses pacientes. A técnica usada na época era introduzir um picador de gelo pelo globo ocular até alcançar e mutilar o lobo frontal do cérebro. O criador do método ganhou um prêmio Nobel de medicina em 1949. Nise da Silveira enfrentou bravamente esse sistema autoritário, dando voz e expressão aos pacientes, usando a arte como instrumento terapêutico. Foi a empatia da Nise que permitiu que ela dissesse, o que para mim, simboliza muito bem duas perspectivas: uma antiga, ultrapassada, e autoritária, e uma do futuro. A Nise disse: ‘O seu instrumento é o picador de gelo; o meu é o pincel’.

É por isso que estou aqui ressaltando a importância da característica da turma que eu acho muito relevante: 92% de vocês formandas mulheres. Aqui está uma potencialidade enorme. Mulheres estão em posição privilegiada para liderar e promover esse movimento fundamental da boa prática clínica, que é a prática centrada no paciente, que é a ética do cuidado, que tem a empatia como valor fundamental.”

Daniela Vaz pontuou que tanto mulheres quanto homens precisam ser agentes na busca pela igualdade de gênero

 

A terapeuta ocupacional Suzana de Almeida Gontijo, que se formou na EEFFTO, trabalha com pessoas que possuem transtornos mentais e reforça a ideia de que é preciso um olhar atento para o lugar das mulheres no debate sobre o cuidado e a saúde.

“Se um homem adoece, são as mulheres da família que estão lá para cuidar dele, gerar renda, fazer as tarefas domésticas e cuidar dos filhos. Se uma mulher adoece, também é uma outra mulher da família que assume esse papel. Muitas vezes essa ‘cuidadora’ também adoece com o acúmulo de tarefas e a carga emocional e física que isso envolve. Essa é uma questão cultural atravessada pelo machismo, precisamos chamar os homens para essas responsabilidades”, relata Suzana.

A ex-aluna da Escola também aponta atitudes que considera transformadoras para todo esse cenário de desigualdade e opressões. Para ela, é preciso mudar a forma como educamos as crianças, com novos valores que combatam as opressões. Além disso, Suzana diz que é preciso insistir na luta do tempo presente, ocupando as ruas e construindo movimentos de mulheres que lutem pela garantia de direitos. “Acho importante estar organizada enquanto mulher e trabalhadora da saúde. Não existe mudança sem a luta diária”, afirma. 

Suzana Gontijo é terapeuta ocupacional e ex-aluna da EEFFTO (Foto: Jarbas Oliveira)