Pós-doutorando da EEFFTO apresenta tese sobre impactos da Copa do Mundo de 2014 | EEFFTO - UFMG  


Alto Contraste

PT ENG ESP





Pós-doutorando da EEFFTO apresenta tese sobre impactos da Copa do Mundo de 2014

10/05/2017 | 14:19

Por Isabelly Morais

As 556 páginas da tese de doutorado de César Castilho representam um longo estudo do atual pós-doutorando da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG. Hoje integrante do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Unidade, César se dedicou à pesquisa “Políticas Públicas e Copa do Mundo de Futebol 2014 no Brasil: das expectativas aos impactos locais” entre os anos 2013 e 2016, cujo trabalho foi apresentado na EEFFTO na última segunda-feira, 8 de maio.

Graduado em Educação Física na UFMG, César realizou seu mestrado na EEFFTO e seu doutorado na L'Université de Paris-Sud, universidade da França. Em terras europeias, focou sua pesquisa no maior evento de futebol do planeta, que movimentou o Brasil há quase três anos.

Aliás, não só em 2014. Desde que o nosso país foi escolhido como sede da Copa do Mundo, em 2007, emergiram opiniões contrastantes por parte da população acerca da realização do evento em terras tupiniquins. Em 2013, no entanto, manifestações que tomaram ruas brasileiras não pouparam o megaevento, que também entrou na onda de reivindicações.

Segundo César, isso o inspirou a estabelecer seu projeto de pesquisa no doutorado. “Como aconteceram as manifestações de 2013, e tendo um aspecto social, isso fez com que eu me aproximasse mais desse tema e o escolhesse para meu doutorado”, recordou César Castilho.

A ideia inicial de César Castilho para seu doutorado não era sobre os impactos da Copa do Mundo, mas as manifestações de 2013 fizeram-o repensar o projeto

No estudo, César escolheu quatro cidades-sede para seu trabalho de campo, e, no decorrer de um mês, passou uma semana em cada uma delas: Belo Horizonte, Recife, Manaus e Rio de Janeiro. Além disso, entrevistou profissionais do esporte, como pesquisadores e jornalistas, diretores de projetos, habitantes locais, organizadores e figuras políticas.

Para não se apegar a uma visão maniqueísta, César afirmou que, ainda que seja por um didatismo, prefere não se fechar a uma categorização de impactos positivos e negativos da Copa.

“Colocar o que foi bom ou ruim é bem didático, mas o que critico é que tem vários pontos que têm dois lados, e é muito difícil falar o que é ruim e depois fazer duas análises e perceber que pode ser bom também”, afirmou. Essa questão foi percebida pelo profissional no recorte que fez em seu trabalho de campo na capital mineira.

Belo Horizonte

Em cada uma das quatro cidades escolhidas, César optou por pesquisar algum projeto no trabalho de campo. No caso de Belo Horizonte, atentou-se ao “curso de inglês para as profissionais do sexo”, em que observou o caráter econômico e educativo, além de apontar uma discussão sobre a legalização total da referida profissão.

Para o agora doutor, muitos artigos categorizam esse tipo de situação como algo negativo, mas que, aqui no Brasil, “foi uma forma que as prostitutas tiveram de ter um diálogo mais aberto dentro do contexto de um megaevento”.

Recife

Como o fluxo de pessoas em todo o país cresceria de forma acentuada no período do evento esportivo, ações como campanhas organizadas pela Rede de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Estado do Pernambuco justificaram-se na luta contra a ocorrência de casos de abuso a menores.

Na capital pernambucana, portanto, a escolha de César foi quanto à “política de prevenção do turismo sexual infanto-juvenil”, política pública concentrada na Copa do Mundo.

Manaus

A definição do projeto que César analisou em Manaus passou por algo inédito na história das Copas do Mundo: a distribuição de ingressos gratuitos, que, no caso amazonense, foi para indígenas. Em 2014, foi a primeira vez que um país-sede conseguiu uma carga de bilhetes para serem repartidos sem custos ao contemplado, e isso definiu o trabalho de campo do então doutorando na capital do Amazonas.

Rio de Janeiro

Movimento que começou em 2008, ano seguinte à data de definição do Brasil como sede da Copa de 2014, iniciou-se um processo de pacificação das favelas do Rio de Janeiro. A análise de campo de César Castilho em terras cariocas fundamentou-se nessa questão, que, segundo ele, configurou uma “higienização da zona sul” do Rio.

César afirmou que houve uma concentração nas regiões centro e sul quanto à política de pacificação. Isso então gerou uma migração muito grande de moradores para a zona norte, uma vez que as obras fomentaram uma especulação imobiliária nas localidades pacificadas.

Fan Fest

As Fan Fests são eventos organizados pela Fifa nas cidades-sede da Copa do Mundo, o que aconteceu também no Brasil. Enquanto esteve nas quatro capitais, César analisou as festividades consideradas “oficiais” do megaevento, confrontando-as com as manifestações populares pelas ruas das cidades.

Em Belo Horizonte, a Fan Fest foi realizada no Expominas (Foto: Divulgação/Fifa)

Valeu a pena?

Entre estudos abrangentes, análises de campo e extensas bibliografias que serviram de respaldo, César avaliou se a Copa do Mundo no Brasil realmente valeu a pena. “A Copa do Mundo pode ser feita aqui pelo papel que o futebol tem, pela sua força. Mas acho que a gente não soube usar da melhor forma possível. Tivemos muitos gastos, pouca participação da população brasileira e tem essa consequência trágica que é a elitização de um ponto da nossa cultura, o futebol”, afirmou.

Essa última crítica de César se refere a como a reforma dos estádios promoveu um aumento no preço dos serviços do futebol no país, no que tange o acesso às grandes arenas. “Antes da Copa do Mundo, uma das poucas formas de lazer que a população pobre tinha era ir aos estádios, porque era possível. Hoje já não é, porque está muito caro”, enfatizou.

O doutor ainda resgatou que a construção do Maracanã para a Copa do Mundo de 1950 exportou um modelo de estádio bastante popular. Em função da Copa de 2014, no entanto, César afirmou que o movimento foi o contrário: importou-se um padrão de arenas. Para se ter uma ideia, na década de 70, o Brasil era o país com o maior número de estádios com capacidade além de 100 mil pessoas do mundo inteiro, o que já não existe mais em terras brasileiras.

“O Stade de France, que é o principal estádio de Paris, teve seu modelo inspirado no Maracanã, por isso falo que exportamos uma arquitetura dos grandes equipamentos esportivos. Em 2014, apropriamos-nos deles, importamos. Então modificamos nosso cenário dentro de uma proposta de mercantilização que fica bem claro, em cima de uma desculpa de que o estádio não era confortável, mas que, no fim das contas, era uma das exigências que a Fifa tinha para que a Copa fosse aqui”, completou.

Grupo Luce

No decorrer de seu doutorado, César Castilho não conseguiu esgotar todas as questões que ele percebeu que seriam interessantes de ser investigadas dentro desse processo de formação do doutorado. Isso foi base para que optasse por buscar o pós-doutorado, cujo trabalho tem feito na EEFFTO sob a supervisão da professora Christianne Luce Gomes.

Christianne também é coordenadora do Grupo Luce - Ludicidade, Cultura e Educação, da EEFFTO, núcleo do qual César faz parte. O doutor apresentou seu trabalho por meio de um convite de sua supervisora.

“Ele tem uma participação ativa em nosso grupo de pesquisas, atualmente é o co-líder. Retomamos agora algumas reuniões abertas, aproveitamos para convidá-lo para ser o palestrante deste mês e partilhar os resultados do seu estudo. Queremos trazer pesquisadores que tenham uma produção acadêmica, realizem pesquisas, e que possam contribuir para as discussões sobre o lazer em diferentes âmbitos e perspectivas”, justificou Christianne.