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Cadê Morfeu?

26/06/2017

Leo Garibaldi já se acostumou a ser chamado, pelos amigos, de “Michael Douglas”. E não, nenhuma relação com o ator norte-americano, mas, sim, com o hit de João Brasil – aquele do “nunca mais eu vou dormir”. No caso do estudante, porém, a referência não tem nada a ver com balada, e sim com a dificuldade em pegar no sono que o acomete há tempos. Nesta luta diária (ou noturna), ele não está sozinho. “Ultimamente, a insônia tem sido uma companheira corriqueira na minha vida”, confessa a jornalista Poliana Ornelas, que já apelou para uma pá de dicas, de remédios tarja preta a chás naturais. “Tentei tudo. Ver TV para tentar pegar no sono, não ver TV para não despertar...”, enumera ela, que chegou a baixar um aplicativo que indicava a hora em que ela deveria dormir. “Ia para cama mesmo sem sono, tentando criar uma rotina de deitar sempre no mesmo horário, independentemente do sono”. Debalde.

Levantamento feito pelo Instituto Datafolha no ano passado apontou que 53% da população brasileira manifesta algum problema durante o sono. Nesse caso, foram consideradas questões como ronco ou pesadelos. Quando o recorte é a insônia, vale lembrar o número divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), também referente ao exercício 2016, e segundo o qual 40% dos brasileiros relataram ter sofrido ou sofrer com o problema.

Não surpreende, portanto, que a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada pelo IBGE, tenha revelado que 7,6% da população se vale do uso de remédios para dormir. E a lista de opções ganhou acréscimo no último dia 12, com a regulamentação, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Rozerem (ramelteona). No final de 2016, foi a vez da melatonina.

As novidades chegam não apenas como tentativas de aplacar os efeitos imediatos de noites mal dormidas – cansaço, falta de concentração, alterações de humor –, mas reduzir consequências mais graves para a saúde. “Estudos vêm demonstrando que pessoas que dormem menos do que deveriam podem acabar ficando mais obesas”, afirma o médico especialista em sono Marco Tulio de Mello, professor da UFMG.

Não só. “Pessoas que são restritas do sono – por trabalharem em horários diferentes, como à noite ou por turno, cada dia num horário – têm uma baixa no sistema imunológico e, portanto, ficam mais susceptíveis a doença. Com isso acabam acarretando um problema de saúde maior”.

A OMS divulgou, recentemente, uma monografia mostrando que pessoas que trabalham por turno ou no período noturno, após a aposentadoria, têm maior incidência e frequência de câncer. “Então, não adianta nada (o trabalhador) achar que vai ganhar mais dinheiro trabalhando mais se depois vai gastar tudo em hospitais e com tratamentos”.

Dormindo no cinema

O reflexo de uma noite mal dormida é descrito por Poliana. “Tem dias que não sou ninguém. Fico mal-humorada, irritada, sem energia”. Descrevendo-se como uma pessoa ansiosa, a jornalista diz que sua cabeça “funciona a milhão”. “Então, fico antecipando o que pode vir a acontecer, o que preciso fazer, como vou fazer, pagar a conta (estou desempregada e, depois que passei a ter trabalhos informais, fiquei mais preocupada ainda). Enfim, penso em tudo”.

Já Leo Garibaldi até reconhece que a situação “Michael Douglas” melhorou após ter optado por uma outra faculdade e estar fazendo monitoria. Aos 35 anos, formado em design gráfico, ele voltou aos bancos escolares para cursar cinema (à tarde). Já a monitoria o faz acordar cedo, e ainda tem os trabalhos eventuais em bares, à noite, que complementam a renda.

Os remédios, então, foram relegados ao fundo da gaveta. “Cheguei a tomar alguns, mas sempre receitados. Agora, parar foi uma coisa minha: percebi que estavam me prejudicando”, rememora. Muitas vezes, Leo até chegava a pegar no sono, mas acordava de madrugada. “Me dava angústia, estresse”. Na época, morava com a namorada e, portanto, não podia acender a luz. E foi o fato de enviar mensagens às 5h da manhã que rendeu-lhe o apelido de Michael Douglas. Hoje, ainda com uma má qualidade do sono, Leo recorre ao velho e bom café para manter-se acordado para estudar. Várias vezes ao dia.

É verdade que nem sempre o artifício surte efeito. Tanto que, recentemente, ele “pagou o mico” de dormir em plena sessão de um filme de ação. No caso, “Mulher Maravilha”. “E olhe que estava doido para ver”.

Investigação

Para o professor Marco Tulio de Mello, antes de qualquer coisa, é preciso investigar a causa do problema. “Tomamos muitos remédios desnecessários, isso não é propriamente uma novidade. Mas o Brasil é o maior consumidor de remédios biodiazepínicos, entre os quais muitos são utilizados para induzir o sono. O que é muito ruim”, alerta.

Marco Tulio lembra que existem, hoje, muitas terapias comportamentais que minimizam os problemas do sono, principalmente os ligados à insônia, depressão e ansiedade. “Há pessoas que acham que não estão dormindo porque têm problemas de sono, e nem sempre é assim. Há pessoas que estão ansiosas ou deprimidas e isso é que está acarretando o não dormir. Ou seja, o sono é um problema secundário, e não primário. E aí, acabam tratando o problema, e não a causa”. Para o especialista, a primeira coisa é ter a consciência de que não se toma remédio para tudo. “É preciso tratar a causa, em vez de o efeito”.

Alguns pontos importantes sobre o sono nosso de cada dia

Tempo de sono

O médico Marco Tulio de Mello lembra que o marco de oito horas por noite foi estabelecido a partir da média de sono da população (7h40). Mas lembra que existem os curto dormidores (“que estão bem, obrigado, dormindo menos”) e os longo dormidores (que necessitam de mais horas). “A pessoa tem que se sentir bem, dormir o quanto ela se sente recuperada. É algo ruim pensar que dormir pouco é ser mais produtivo!”.

Hora de acordar

Da mesma forma, lembra o médico, existem os matutinos, que dormem cedo e acordam entre 6h e 8h da manhã, e os vespertinos, que dormem tarde e acordam também tarde. “É mais ou menos a mesma proporção dos curto dormidores e dos longo dormidores, ou seja, 15% da população/cada, e os 70% são os chamados ‘indiferentes’”.

Efeitos a curto, médio e longo prazo

A curto, mau humor, irritabilidade e outras alteração do humor. A médio, a privação do sono começa a gerar episódios de esquecimentos e mesmo alterações de comportamento. A longo, o sistema imunológico fica afetado, o que abre as portas para outras doenças.

A privação pode levar à morte?

De acordo com Marco Tulio, os casos constatados de morte em animais se deveram à associação com outra ação, principalmente o déficit do sistema imunológico. “Assim, claro, diante de fatores que agridam o corpo, o organismo não vai ter como responder”.

Obesidade

Além da baixa do sistema imunológico, outra decorrência da falta de sono ou da má qualidade do sono é a obesidade. “Recentemente, estudos vêm de fato demonstrando que pessoas que dormem menos do que deveriam dormir ficam mais obesas”.

Alerta vermelho

“O botão vermelho deve se acender sempre que percebo que, durante um período maior que 15 dias, passei a dormir mal, estou sempre cansado, com sono, acho que não estou me recuperando, fiquei mal humorado. Se começo a ficar doente mais vezes do que deveria, devo procurar um especialista em sono”, diz Marco Tulio.

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