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Um vulcão chamado Joanna

28/06/2017

O vaivém na piscina do Centro de Treinamento Esportivo (CTE) da UFMG é ritmado. Braçada a braçada, corpo ora na superfície, ora submerso. Uma jornada quase solitária, não fossem os gritos do instrutor, que a acompanha do lado de fora, marcando o tempo. Joanna Maranhão em silêncio, num estado quase de transe, só ali mesmo, dentro d'água. Fora dela, essa pernambucana de sotaque acentuado é como um vulcão. Aos 30 anos, está disposta a viver tudo e intensamente – uma intensidade presente na vida profissional e pessoal, real e virtual. Taurina, abraça causas com passionalidade e as defende sem papas na língua. Justamente pelo temperamento forte, coleciona fãs e desafetos. Casada com o judoca minas-tenista Luciano Corrêa, a nadadora se mudou para BH há seis meses, entregou-se à capital mineira de corpo e alma. Um exemplo disso é o projeto social que ela lança nesta quarta-feira, às 19h30, na Associação Pessoal da Caixa Econômica Federal (APCEF-MG), na Pampulha, o Emancipa Esporte.
 
O programa que tem por objetivo levar a natação a crianças carentes é uma das “meninas dos olhos” da atleta. No Recife, terra natal, Joanna tem uma ONG, a Infância Livre. “Na ONG, a gente trabalha a temática da pedofilia. Mas não é para caçar ou julgar pedófilo. A gente trabalha com as crianças, de preferência de baixa renda. Vou para os lugares onde me convidam e conto a minha história, mostro ser possível superar o trauma. A chave do nosso trabalho é orientar as crianças a respeito de qual carinho é permitido, qual é abusivo e o que ela deve fazer”, destaca, explicando o motivo de ela passar longe de querer atuar como justiceira: “Quanto mais eu estudo mais vejo que alguns abusadores foram crianças abusadas, então considero mais importante acabar com esse ciclo vicioso do que apontar o dedo e julgar”.
 
A intenção dela é aliar o esporte à educação, para que a mensagem passada às crianças vá além da busca por medalhas. “O maior problema do esporte de alto rendimento no Brasil é que a gente foca em ter atleta para ganhar campeonato, ganhar medalha. Só que a gente se esquece que esses professores e técnicos são formadores, é preciso colocar valor no esporte. Temos muito campeão olímpico e até campeão mundial que é vazio, que só pensa em si. E a chance que a vida está me dando de aplicar essa filosofia, que é chave de mudança, me faz sentir muito honrada. E muito grata”.
 
O tema abuso infantil não entrou por acaso na vida de Joanna. Molestada por um ex-treinador quando tinha 9 anos, ela suportou o sofrimento calada por muito tempo. Em 2008, aos 21, decidiu denunciá-lo, o que resultou na Lei 12.650/2012, promulgada quatro anos mais tarde e batizada de Lei Joanna Maranhão – segundo a qual a prescrição do crime (estipulado em 20 anos) começa a contar a partir da data em que a vítima completa 18 anos.
 
Os danos do abuso foram muitos, inclusive levando a duas tentativas de suicídio, a última em 2013. Por essas e outras, a nadadora chegou a dizer que não apenas conheceu o fundo do poço, como foi ao “subsolo do fundo do poço”. O alicerce no ápice da crise foi a mãe, Teresinha, médica geriatra. “A minha 'aborrescência' foi um pouco tardia e veio com uma depressão muito forte, então foi um período muito crítico da minha relação com a minha mãe. E ela sempre segurou a onda. Às vezes, a gente se bicava, mas ela nunca me virou as costas e nunca me deixou largar a natação, nunca me deixou fugir. Se estou viva hoje é por conta dela, tanto porque me deu a vida quanto porque me fez renascer”, explica. A forte relação com a mãe tem outro motivo, revela. “Ela também passou por um abuso quando era criança, e o fato de eu verbalizar abriu portas até para ela, de ela se descobrir, fazer terapia. A nossa relação se aprofundou muito.”
 
A história dela é uma das contadas no documentário Mexeu com uma, mexeu com todas, lançado neste ano pela cineasta Sandra Werneck e que debate o tema da violência contra a mulher. Joanna ainda não assistiu. “Ia ver em São Paulo, no dia do lançamento, mas desisti, pois faltava uma semana para o Maria Lenk. Naquele momento pré-competição, eu não quis correr o risco de aquilo mexer comigo. Sei que foi uma atitude um pouco egoísta, pedi desculpas, mas quando a gente resolve se envolver em alguma causa, precisamos pensar primeiro na gente, principalmente eu enquanto vítima. Preciso da mente sã e tranquila para treinar, competir”, justifica.