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Criança? Aqui, não!

19/08/2017

 

Sob a justificativa de manter o sossego e o silêncio ou ainda pela suposta ausência de estrutura adequada, nos últimos anos, em determinados hotéis, restaurantes, festas de casamento e outros espaços, o acesso de crianças começou a ser restrito. Na mesma linha de raciocínio, algumas companhias aéreas criaram “zonas silenciosas”, que nada mais são do que uma fileira de assentos em que pessoas de até certa idade não podem se sentar.

Em março deste ano, um restaurante de São Paulo chegou a publicar, em sua conta no Instagram, a foto de um quadro em frente ao estabelecimento em que podia-se ler: “Aqui seu cão é bem vindo (sic)!!! Mas crianças favor amarrá-las ao poste”. Há pouco mais de uma semana, a foto voltou a viralizar nas redes sociais, reacendendo o debate sobre qual a legitimidade de limitações como essa.

Há quem defenda que trata-se simplesmente de um posicionamento de mercado. Outros argumentam que é uma forma de discriminação, análoga à segregação racial ou de pessoas com deficiência. Nesta perspectiva, a intolerância e a imaturidade seriam a motivação dos adultos que reivindicam esses espaços. Outro ponto de vista leva em conta que a própria displicência dos pais que negligenciam seus filhos nesses ambientes seria a motivadora de tais proibições.

Chegarmos ao ponto de vetar a presença de crianças nesses espaços aponta para uma desumanização das nossas relações, segundo José Alfredo Oliveira Debortoli, professor da Escola de Educação Física e Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG e um dos organizadores do livro “Infâncias na Metrópole” (ed. UFMG). “Entendo como um produto que atende determinado perfil de consumidores. Mas não é um espaço das relações sociais. É como se estivessem levando às últimas consequências a privatização das relações. O privado é o lugar do igual. E a homogeneização das relações nos empobrece, enfraquece, é a barbárie. Como nesse caso em que disseram que o pet é bem-vindo e a criança, não”, defende.

Vítima de uma hostilização recentemente em um voo, por conta do comportamento de seu filho de 2 anos, a estudante Ariel Morelo Vianna, 22, acredita que é uma forma de violência não só com as crianças, mas principalmente com as mães. “As pessoas esperam que a mãe esteja sempre no ambiente doméstico, não querem que tenhamos acesso aos lugares. Antes mesmo da criação desses espaços, já era difícil sair com filhos porque as pessoas não toleram o comportamento deles. E quem arca com as consequências disso raramente é o pai”, afirma.

No voo em questão, o casal que estava na poltrona em frente à de seu filho pediu que ela o controlasse porque eles estavam tentando descansar. “Ele é muito pequeno, é difícil entender a hora que precisa ficar quieto, sentado. Ainda está numa fase de formação do sistema neurológico, em que vai começar a compreender o que pode ou não fazer. Por isso é natural ver crianças de 2, 3 anos fazendo birra”, diz.

No avião, ela conta que o manteve quieto com brincadeiras e músicas até a decolagem, mas depois disso deixou-o um pouco mais livre. “Ele ficou brincando de uma poltrona para a outra e até interagindo com outro passageiro do nosso lado. Mas acabava encostando na cadeira da frente. Não era nem chutando, porque se fosse o caso, eu interviria de modo mais firme. Mas eles reclamaram. Eu falei que poderia até segurá-lo na cadeira, mas não poderia impedir que cantasse ou brincasse. E eles ainda disseram para fazer de tal jeito, me ensinando a cuidar do meu próprio filho”, conta.

A jornalista e blogueira Andreia Nobre, 40, já viveu situações parecidas. Mãe de dois meninos de 4 e 8 anos, além de um caso análogo em um voo, chegou a ouvir de um homem acompanhado de duas meninas pré-adolescentes e uma mulher, numa sessão de filme infantil, se ela garantiria que os filhos não fariam bagunça caso se sentassem perto deles, porque sua esposa tem pavor criança. “Pouco antes da estreia da animação ‘Procurando Dory’, eu cheguei a ver pessoas, que eram pequenas quando o primeiro filme, ‘Procurando Nemo’, foi lançado, ameaçarem nas redes sociais que chutariam as crianças que fossem à primeira sessão do filme”, conta.

Ela, assim como Ariel, acredita que excluir crianças é excluir as mães. “Elas deixam de ser pessoas adultas e passam a ser somente as cuidadoras das crianças, não têm direito à individualidade. Como mãe, me sinto injustiçada, marginalizada, como se não tivesse direito de sair de casa. Me sinto numa prisão”, afirma.

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